Capítulo Três
_ Dói muito?
_ Não agora. O médico deu-me remédios poderosos.
_ Como foi que se machucou?
_ Apostei corrida com Alice minha amiga. Ninguém ganhou afinal.
_ Então você gosta de aventuras. Sua aparência delicada engana
bem. Ontem você disse que uma cobra apareceu assustando o cavalo.
_ Só minha mãe me conhece como sou, e ela não importa se Alice
e eu nos divertimos. Considero meu cavalo o meu grande companheiro. O problema
é que ele ainda não aprendeu a avisar “se abaixe”. (Risos)
_ Deve ter doído muito no momento. Eu digo isso porque também
já caí de meu cavalo. Não quebrei nada, mas parecia.
_ Nós sempre nos aventuramos, mas esse trecho era desconhecido
para mim, e então na curva pouco antes de chegarmos à casa dos avós de Alice,
me vi levando uma surra de uma árvore e caindo por cima do braço de um jeito
desastrado. E na verdade não senti dor, acho que o susto foi maior.
_ Nesse momento o trem começou a funcionar
os motores e não ouvi o que ele disse. Nem os risos das duas jogando cartas.
Como não respondi sua pergunta, senti sua mão tocar de leve a minha.
Assustei-me.
_ Desculpe-me, não queria assustar-te, é que você não ouviu.
_ Claro, o que dizia?
_ Perguntei se vocês têm onde ficar.
_ Ficaremos no hospital.
_ Quanto tempo vão ficar?
_ Não sei ainda, mas pela gravidade do ferimento pode ser
muito.
_ Ele não disse mais nada. Marie trocou de lugar com ele. Pegou
nossas roupas para nos banharmos antes do jantar. Eu não senti o tempo passar. Scott acompanhou-nos e seguiu para o toalete masculino.
Tomei banho com um pouco de dificuldade. Muitas roupas e
laços. Ainda bem que Marie estava comigo. Quando voltamos, ele já estava na
cabine. Vestia um terno claro que de certa forma realçou o azul de seus olhos.
Estava lindo. À medida que passava mais tempo ao seu lado, mais me sentia
ligada a ele. Eu sei que isso parecia loucura, pois, acabara de conhecê-lo.
Fomos avisados
sobre o jantar. Ótima notícia, pois quando começamos a viagem já havia passado
muito do almoço e como nos atrasamos não pudemos parar para comer. Resultado:
estávamos famintas.
Não sabia como conseguiria chegar ao restaurante do trem sem
levar alguns empurrões. Então ele disse para ficarmos na cabine que ele
resolveria o assunto. Pouco tempo depois ele voltou com um garçom e um carrinho
com as quatro refeições. Não pude acreditar em tanta gentileza. “Esse homem
não existe.” Pensei novamente nisso. Mas ele estava na minha frente, como
poderia não existir? Era um sonho, eu tinha quase certeza.
Não trocamos nenhuma palavra durante o jantar. Eu estava me
sentindo a mais desastrada do mundo.
Terminamos de comer e o garçom voltou para pegar a louça.
Sua tia o elogiou pela atitude e disse que não saberia como
ajudar Marie a conduzir-me ao restaurante. Depois disso, eles falavam muito
baixo.
Marie disse que a Sra. Amélia era muito simpática, e que se
não precisasse voltar para casa ela iria trabalhar com ela.
_ Marie, o que você acha do sobrinho dela?
_ Um homem sofrido Layla.
_ Mas por quê?
_ Segundo a Sra. Amélia, ele tinha uma noiva e ela fugiu com
outro. Isso o magoou muito, porque todos começaram a inventar boatos sobre ele.
Diziam que ele era grosso e bebia muito.
_ Será que é verdade?
_ A tia dele diz que não. Ele estuda para ser médico e jamais
colocou uma gota de álcool na boca. Ela disse que nunca viu um homem tão
cavalheiro como o sobrinho.
_ Acho melhor mudarmos de assunto antes que nos ouçam. Teremos
muito tempo depois para conversar sobre isso. E também não os veremos mais.
_ Não é o que ela planeja.
_ Como assim?
_ Outra hora eu explico.
_ Sra. Amélia convidou Marie para jogar mais um pouco, e claro,
ela aceitou. Scott veio ficar ao meu lado e perguntou se eu queria que ele
deitasse minha poltrona para que pudesse descansar melhor.
Levantei-me para ele arrumar, o que chamou a atenção das duas
que riram uma para outra. Eu não entendi naquele momento e resolvi não
perguntar.
Deitei-me na cama improvisada, que para um trem estava
aconchegante. Ele sentou-se ao meu lado. Falava com um tom triste.
_ Levarei vocês ao hospital quando chegarmos.
_ Imagina, não se incomode conosco.
_ Faço questão. Já conversei com tia Amélia e resolvemos todos
os detalhes.
_ Como assim? Já estou dando bastante trabalho em viajar na
cabine de vocês. Não quero atrapalhar mais.
_ Você não atrapalha.
_ Senti uma ponta de dor em sua voz, como se fosse uma
despedida. Só então entendi o motivo dos risinhos de Marie e Sra. Amélia.
Depois de ter sido abandonado, seu interesse por mim era notável.
_ Seus pais devem ter muito orgulho de você.
_ Meu pai nunca me valorizou. Sempre dizia que eu não fazia
nada direito. Após sua morte, encontrei uma espécie de diário, ele escrevia com
certo prazer os seus feitos. Escreveu que me maltratava, pois um
homem tem que ser valente. E eu não seria valente enquanto não o enfrentasse.
Minha mãe pegou o diário de minhas mãos e disse que sempre foi contra esse tipo
de ensinamento. Então me tornei o filho que minha mãe quis que me tornasse. Sem
valentia, sem brigas, sem fumo, sem bebidas. Sou feliz por ser assim. Saber que
ela morreu feliz por tornar seu filho em um homem decente.
_ Desculpe-me não sabia que seus pais haviam falecido.
_ Tudo bem, nos conhecemos hoje, não haveria como você saber.
_ Minha mãe ficou muito doente e tenho medo de não encontrá-la
quando voltar. Meu pai ficou tomando conta dela, mas pouco pode fazer, pois nem
o médico descobriu o que ela tem.
_ Não espere o pior. Cuide-se e quando voltar para casa, ela
estará esperando por você.
_ Tudo bem. De qualquer forma não posso fazer nada para ajudar.
_ Durma um pouco, sua prima logo virá fazer companhia, depois
troco de lugar com ela.
_ Como assim? Você vai ficar aqui?
_ Sim, estudo medicina e sei que uma fratura assim pode causar
febre. Mais tarde verei se está bem. Agora durma um pouco e não se preocupe.
_ Como poderia dormir sabendo que aquele homem lindo estava me
observando?
Nossa, onde fui parar quando apostei corrida com Alice?
Escreveria a ela assim que chegasse.
Mesmo resistindo em adormecer, o sono foi chegando e fiquei
entregue nas mãos de estranhos.
Ele tinha razão. Durante o sono tive febre, e ele cuidou de
mim. Marie e Sra. Amélia acordaram, mas ele mandou que dormissem novamente.
_ Como se sente?
_ Por um momento pensei estar sonhando, mas era ele, lindo e
encantador pela manhã. Devia estar apaixonada, pois com tantos problemas, só
conseguia pensar nele.
_ Meu braço dói um pouco. Mas estou bem.
_ Você teve febre alta à noite, delirou um pouco. Consegui
estabilizar você para que não batesse o braço.
_ Obrigada. Estou dando muito trabalho para vocês. Maldita
aposta. (Risos)
_ Sobre o que exatamente vocês apostaram?
_ Eram bobagens.
_ Vamos nos preparar para o café?
_ Marie interrompeu entusiasmada, e percebi que devia estar
toda amassada. E não havia possibilidade de dizer a ele que nossas apostas
sempre eram sobre “quem se casará primeiro”. E claro sempre tinha a revanche,
porque nenhuma queria ser a primeira.
_ Claro. Depois continuamos a conversa. E mais uma vez obrigada
e desculpe.
_ Precisando, estarei aqui.
_ Nossa, ele estava me cortejando ou foi só impressão? De
qualquer forma não fugiria de um interrogatório no toalete.
Sra. Amélia não acompanhou-nos e assim que saímos ouvimos as
primeiras palavras.
_ O que pensa que está fazendo Scott? Ela pode não
corresponder...
_ Marie não quis continuar a andar e ficou atrás da porta
ouvindo.
_ Tia, eu nunca havia me sentido como agora. Nem mesmo quando
“aquela mulher” passou pela minha vida.
_ Eu sei querido e é por isso que tenho medo que você se
machuque novamente. Layla está conosco de passagem, ela ficará um bom tempo no
hospital. Fará uma cirurgia como já havíamos conversado. Depois ela voltará
para a casa dos pais. É uma longa viagem, como você espera cortejá-la?
_ Elas poderiam ficar conosco. Eu teria tempo para conhecê-la
e...
_ Você sabe o que isso resultará. Vamos nos arrumar para o
café. Não quero me atrasar muito. Pensarei sobre isso até o fim da viagem.
;)
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