Capítulo Seis
_ Olá. Estou aqui como prometi.
_ Oi. Como foi a cirurgia?
_ Correu tudo bem, mas quem vai te explicar tudo é o Dr.
Austin.
_ Vi o Dr. Born sair nervoso da sala. O que aconteceu?
_ Ele queria participar da cirurgia e o Dr. Austin não deixou,
dizendo que você preferia um conhecido. No caso, eu.
_ É difícil comer nessa hora?
_ Não. Estou aqui para garantir que você irá se alimentar
corretamente. (Risos) Volto já.
_ Ele se demorou pouco, mas foi o suficiente para o Dr. Born
aparecer.
_ Olá. Como está se sentindo?
_ Com fome.
_ Vou providenciar algo para você comer.
_ Não precisa, já fiz isso. (Scott havia retornado)
_ Hum... Você.
_ Sim. O Dr. Austin virá vê-la então não há necessidade de você
ficar aqui.
_ Volto quando não tiver visitas. (Dr. Born disse para mim e
saiu).
_ Com essa discussão Marie acordou. Sem graça, pois disseram
que eu só viria para o quarto no dia seguinte.
_ Oi, não sabia que você estava aqui. (Marie tímida por haver
homem no quarto enquanto dormia).
_ Também não sabia que viria.
_ Oi Scott. O que se passou por aqui?
_ Nada de mais Marie, não nos damos bem desde a infância.
_ Desde a infância?
_ Quis saber. Desde a infância é muito tempo.
_ Sim. Estudamos juntos e ele sempre dava um jeito de me
prejudicar com os professores e os outros alunos.
_ Você sabia que o encontraria aqui?
_ Não pensei nele até encontrá-lo.
_ Por que não se dão bem até hoje? Coisas de crianças deveriam
ser esquecidas.
_ Não dá para esquecer se isso te persegue na fase adulta.
Quando crianças eu era ingênuo. E sempre que ele fazia alguma coisa errada,
chorava e pedia para eu assumir a culpa, pois o pai dele o espancaria até
deixá-lo caído ao chão. Eu concordava e apanhava no lugar dele. Depois, quando
adolescentes meu pai já havia proibido nossa amizade e isso deixou Born com
raiva, pois perdera o apoio nas suas mentiras. Seus novos amigos não mentiam e
ele acabava sendo surrado.
_ Mas por que ele ficou com raiva de você? Não foi seu pai quem
proibiu?
_ Sim, mas eu tive que colocar fim na amizade e não meu pai.
Não satisfeito com isso, ele começou a me prejudicar na escola. Várias vezes eu
nem estava presente e ele dizia que viu quando eu fiz isso ou aquilo. Só não
fui expulso porque num dia desses estava de cama e a diretoria
da escola havia sido informada. Então ele foi pego e meu nome ficou limpo. Mas
no doutorado, ele fez muito pior e uma única vez, até hoje tento limpar meu
nome. Por isso não tenho permissão ainda para trabalhar como médico. Os
diretores estão analisando se tenho condições mentais. Aconteceu algo que levantou
novas suspeitas sobre mim e não vejo saída nesse bolo de confusões que Born me
colocou. É isso que nos faz ter essas discussões desnecessárias.
_ Que triste. Se eu puder te ajudar de alguma forma, pode
contar comigo.
_ Está tudo bem. Quer dizer, eu vou ficar bem.
_ Scott olhou com um jeito que dizia “aqui não dá para
conversar”. Senti um calafrio só de pensar em ficar sozinha com ele. Não
era medo. Ele até o momento foi o único rapaz que despertou um sentimento
estranho em mim. Não conhecia o amor, aliás, não conhecia nenhum rapaz tão
educado. E não queria um bruto ao meu lado. Preferiria ir para o Convento. Ele
interrompeu meus pensamentos.
_ Marie, você pode voltar a dormir se quiser. Vou fechar a
cortina divisória. Tudo bem?
_ Marie olhou para mim procurando ajuda com a resposta. Mexi
levemente a cabeça dizendo que sim. Scott não viu.
_ Tudo bem. Se precisarem é só chamar, tenho um sono muito
leve.
_ Ele fechou a cortina e sentou-se novamente. Começou a tão
esperada conversa com assuntos comuns, pois sabia que Marie ouviria.
_ Como está se sentindo?
_ Estou bem. Ainda estou com o efeito da anestesia.
_ Se aquele médico ordinário te incomodar me avise.
_ Não se preocupe. Ele não voltará tão cedo.
_ Vou procurar saber os horários dele aqui no hospital e virei te
ver sempre que ele estiver. Assim ele não terá tantas oportunidades de vir
aqui.
_ Sei que já explicou o motivo de não gostar dele, mas por que
quer me proteger?
_ Porque gosto de você e sei que ele é um mau
caráter.
_ Hum...
_ Talvez fosse melhor nós conversarmos outra hora. Você precisa
descansar.
_ Já dormi o bastante por muitos dias. Se quiser ficar acho que
Marie já dormiu.
_ Tem certeza?
_ Sim. Ela já dormiu. (Rimos ao ouvir Marie roncar).
_ Por um momento ficamos em silêncio.
_ Na verdade estou sempre adiando porque não sei como dizer.
_ Scott, se for o que estou pensando, eu já sei o que dirá. Sua
tia contou a Marie sua triste história de amor.
_ Que terminou em ódio.
_ Não pense mais nisso. Remexer as feridas só as aumenta.
_ Você tem razão. E quanto minha tia, ela adiantou parte do
assunto. Estive me preparando para esse momento durante muito tempo, pois
sempre tive vontade de encontrar alguém para compartilhar minha vida.
_ “Oh meu Deus! Ele vai se declarar”. Pensei, e junto
com esse pensamento veio um suspiro que foi mal interpretado.
_ Se você não quiser ouvir eu posso deixar pra lá. Estou
importunando-lhe.
_ Desculpe-me, não foi essa a intenção. Eu espero por alguém
que converse abertamente comigo há muito tempo e então você apareceu.
_ Tem certeza que quer que eu continue?
_ Sim, por favor.
_ Minha tia contou exatamente o que a Marie?
_ Disse que sua noiva o deixou para fugir com outro. As pessoas
falavam mal de você. E que jamais olhou para outra moça. Os detalhes eu não
sei.
_ Ela não devia ter falado sobre isso, mas por um lado foi bom.
_ Ela disse que tem medo de você se apegar a mim já que depois
eu irei embora.
_ É tarde demais. E é por isso que pensei em trabalhar em sua
cidade. Estando lá talvez fosse mais fácil conquistar a confiança de seus pais
e o seu amor.
_ Scott, você mal me conhece, como pode fazer
planos?
_ Pensei em passar um tempo com você enquanto está aqui. Mas só
se você estiver sentindo o mesmo que sinto por você.
_ Não sei dizer. Nunca pensei em ninguém, aliás, eu ainda vivo
como uma criança rebelde, só pensando em aventuras. Além disso, são nossos pais
que escolhem os companheiros e não temos direito de dizer não. Vocês homens é
que podem recusar ou não uma noiva.
_ E por isso fui abandonado. Meu interesse por Estela era
visível, mas meus pais esqueceram de saber do interesse dela por mim. Assim que
meu pai morreu, ela foi ficando distante. Minha mãe percebeu, mas não podia
voltar atrás com a palavra dada por meu pai. Eu estava cego pela beleza dela,
então ela fugiu com quem realmente amava.
_ Não pense assim.
_ Por enquanto preciso. Não quero cometer o mesmo erro.
_ Fiquei paralisada por alguns instantes. Não sabia o que
dizer.
_ Vou embora, pois já está tarde e minha tia deve estar
preocupada. Fiquei de dar notícias sobre sua cirurgia.
_ Tudo bem. Vou dormir um pouco mais.
_ Até amanhã.
_ Até amanhã.
_ Ele foi embora e fiquei pensando em tudo o que conversamos.
Como um ‘acidente’ podia mudar tanto a vida de uma pessoa? Sorri com o
pensamento.
Estava quase dormindo quando ouvi passos. Abri os olhos e o
Dr. Born estava muito próximo, tanto que podia sentir sua respiração. Virei o
rosto e chamei Marie. A intenção dele era clara, ele ia me beijar.
_ Marie? Dr. Born veio dar notícias de minha saúde.
_ Quieta, não acorde sua acompanhante.
_ O que você quer aqui? (Falei alto chamando a atenção de
Marie).
_ O que está acontecendo? (Marie quis saber).
_ Só passei para ver como a Srta. Grace está.
_ Não foi o que pareceu. (Marie retrucou).
_ Desculpe-me. Sei que meu comportamento com Scott não é dos
melhores. Temos divergências. Acho que ele deve ter contado da maneira que lhe
convém.
_ Disse alguma coisa a respeito sim.
_ Imagino.
_ Ele disse algo sim, e você entrou sorrateiramente no meu
quarto e tentou me beijar. Então nesse momento eu só penso o seu pior.
_ Não me julgue mal. Eu não resisti, pois você chamou minha
atenção desde o momento em que atravessei a porta da sala de atendimento. Seus
olhos cor de mel, sua pele clara e sua boca...
_ Dr. Born, controle-se. Não lhe dou o direito de falar assim
comigo. Exijo respeito. E por favor, saia do quarto.
_ Desculpe-me. Esperei tanto por você que quase não consegui me
controlar. Posso esperar um pouco mais. Durma bem.
_ Não tive tempo de reagir e então ele beijou-me na testa.
Com certeza demorei muito tempo para dormir pensando no que
ele quis dizer com “esperei tanto por você”, e claro tive medo que ele
retornasse e conseguisse me beijar.
No fundo eu sabia que um dos dois estava mentindo, ou os dois.
E ao mesmo tempo escondendo algo muito maior.
Marie ouviu boa parte da conversa e voltou a dormir. Havia
algo estranho com ela.
Aos poucos o dia foi clareando e o movimento no hospital
aumentando. Estava segura, então adormeci.
Tive pesadelos horríveis com Scott e o Dr. Born. Pareciam tão
reais como se fossem lembranças. A época do sonho era distante. As paisagens
diferentes, as roupas e o modo das pessoas agirem. Estava no meio de um duelo e
senti a aflição da moça do sonho. E para piorar, no sonho eu senti amor pelo
Dr. Born. Isso era loucura. Tanto Scott quanto Dr. Born não tinham a aparência
que conheço, mas pelo olhar os reconheci de imediato.
;)
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