Capítulo Dez
_ Você está louca?
_ Acabei de pensar sobre isso.
_ Está dividida entre os dois ou é só impressão minha?
_ Não diga bobagens.
_ Veja como o tratou. Quase mais gentil do que trata o Scott.
_ Está bem, não vou mentir. Algo me diz que os dois são
inocentes e culpados de certa forma. Cada vez que penso na culpa eu me fecho e
cada vez que penso na inocência eu me derreto.
_ Os dois são muito gentis com você.
_ Gentil é pouco. Scott me chama de “meu amor” sussurrando em
meu ouvido para ninguém mais ouvir. E Born...
_ Born?
_ Acredita que até flores na mesa do café ele colocou?
_ Estão sendo românticos Layla, talvez seja para te enganar.
_ É. Pode ser.
_ Não digo isso por mal. É só para que tome cuidado.
_ Eu sei. Fique tranquila, saberei distinguir. Ou pelo menos
tentarei.
_ Fiquei triste com as últimas palavras de Marie, mas ela tinha
razão. Os dois poderiam estar me usando.
Então foi nesse ponto que para mim o mocinho se tornou o vilão
e o vilão continuou como tal.
Estava encantada com os dois e tinha medo de me apaixonar. Talvez
fosse melhor jogar tudo para o alto e ir embora encontrar meu pai antes que
fosse tarde. Claro, Dr. Austin não deixou falando “precisamos de você”. Acabei
concordando.
Uma semana depois chegou uma mensagem sobre a morte de meu
pai. Como ele havia me preparado antes, não sofri tanto como quando soube da
morte de minha mãe. Já aguardava essa notícia por causa da falta de recursos
médicos onde ele estava.
Minha vida agora mudaria completamente. Não sabia como iria
sobreviver.
Scott e Born tentaram não brigar nos últimos dias. Respeitaram
minha dor e só falavam coisas positivas.
A graça é que os dois prometeram o mesmo passeio turístico.
Como se houvessem combinado antes, ou talvez só tivesse esses lugares para ir.
Sra. Amélia que estava distante, de repente ficou próxima até
demais. Queria levar-nos para sua casa a qualquer custo. Agradeci, mas não
aceitei. Nos próximos dias eu retiraria a tala e Marie já estaria boa para
irmos embora.
Meu tio pediu para que o pai de Alice comprasse as passagens
de volta para nós e depois ele pagaria como pudesse.
Eu teria só uma semana para descobrir a verdade. E não podia
continuar com medo de ficar sozinha com algum deles.
_ Layla? Gostaria de ir comigo esta tarde em um passeio?
_ Born saiu na frente, como eu temia que acontecesse.
_ Claro.
_ Então às duas horas eu volto.
_ Está bem.
_ Ele estava saindo do plantão da noite ao qual havia retornado
depois de conversar longamente com Dr. Austin.
Ele teve que prometer não passar nem perto do meu quarto
durante a noite.
As duas em ponto ele voltou. Estava elegante em um terno
preto.
Vesti um dos vestidos que Alice havia me dado, verde claro com
uma fita de cetim na cintura.
_ Está linda.
_ Obrigada. Você também.
_ Senti o sangue subir levemente ao meu rosto.
Ele pegou minha mão e então saímos.
_ Vamos à igreja matriz que é uma das primeiras obras da
cidade.
_ E depois?
_ É surpresa.
_ Chegamos à igreja e havia uma cerimônia acontecendo.
Gelei no instante em que passamos pela porta.
Era uma cerimônia de enterro.
_ Desculpe-me não imaginei que estaria acontecendo uma
cerimônia dessas. Não queria fazê-la lembrar.
_ Não precisa se desculpar. Vamos participar. Farei isso em
memória aos meus pais.
_ Tem certeza?
_ Sim. Não se preocupe.
_ Procuramos um lugar para sentar. As pessoas olhavam curiosas.
Meu traje não estava na cor apropriada.
Achamos um local mais escondido e sentamos. Corria um frio por
minha coluna.
Concentrei-me nas orações. Pedi a Deus que desse aos meus pais
um bom lugar, e desse-me força para não desmoronar.
A partir daquele momento tentaria pensar neles só com alegria
para não atrapalhar o seu descanso eterno.
A cerimônia terminou e só então fomos conhecer a igreja.
Ele contou os detalhes de sua construção e todo trabalho que
ela devia ter dado para ficar pronta.
_ Vamos tomar um chá?
_ Sim.
_ Fomos ao restaurante de um hotel. Que achei muito moderno pra
nossa época. Aconchegante, com luzes individuais em cada mesa e duas posições
de claridade.
Muitas estavam apagadas quando entramos.
_ Foi bom termos chegado cedo, logo ficará cheio e não
poderemos conversar.
_ Ele pediu ao garçom uma mesa afastada.
Sentamos e pedimos nosso chá com biscoitos da casa. Depois que
o garçom serviu, começamos a tão esperada conversa. Essa era a surpresa. Ele
queria contar tudo.
_ Layla, eu sei que esperava por uma conversa direta e sincera.
Não vou começar pela infância.
_ Mas como poderei saber a verdade se não disser tudo?
_ Coisas de crianças não importam muito. Eu não era santo, mas
Scott também não. Nas vezes que fomos pego eu assumi a culpa porque sabia que
seu pai era bravo e violento. Enquanto meu pai era calmo e dedicado ao filho.
Mas a nossa relação ficou estremecida com o que vou te contar. E o Scott sempre
conta as histórias a seu favor. Por isso vou direto ao mais importante e um dia
eu contarei sobre nossas infâncias.
_ Só prometa que dirá a verdade.
_ Eu prometo. Em uma de muitas noites de estudo, ouvi um grito
de socorro no prédio abandonado ao lado do prédio que morávamos. Scott também
morava lá.
Era uma espécie de pensão para os estudantes de vários
lugares.
Naquela noite estava acontecendo uma das maiores festas da
cidade. O rapaz que dava a festa não convidou os ‘encrenqueiros’.
Então Scott e eu éramos os únicos em casa.
Sem pensar muito saí correndo de meu quarto e entrei no prédio
vazio, ou pelo menos eu esperava que estivesse vazio.
Vi a sombra de um homem forçando uma jovem a fazer o que não
queria. Era noite e só vi sombras. Fui covarde e me afastei, mas decidi voltar
alguns minutos depois e enfrentar quem quer que fosse. E encontrei Scott.
_ Dei um salto ao ouvir o nome de Scott. Tentei argumentar, mas
as palavras não saíram e ele continuou.
_ Ele me viu entrar e me acusou de ser o responsável. Não
entendia o porquê se era ele quem estava ao lado dela. Eu o acusei de volta
porque ele havia se sujado com o sangue dela, mas foi só por verificar seus
batimentos no pulso e no pescoço. Por isso ele não tem o diploma até hoje.
Nunca soube se foi ele, mas não vi mais ninguém. Sempre achei que ele estivesse
tentando disfarçar que a socorria. O pior Layla, é que a moça foi noiva de
Scott. E minha também.
_ Born.
_ Fiquei paralisada e não consegui dizer mais nada.
_ Sei que pode não acreditar em mim devido o histórico da
infância, mas acredite; não sou um monstro.
_ Eu sei. Só não consigo pensar depois de ouvir tudo isso.
_ Por isso Scott sempre fala mal de mim. Ele acha que eu corri
quando ouvi seus passos e depois voltei para acusá-lo. Ele não foi preso porque
não havia provas o suficiente. Era minha palavra contra a dele.
_ Mas por que brigam até hoje? Pela moça?
_ Não. Desde a infância tínhamos diferenças.
Mesmo enquanto éramos amigos. Mas piorou na adolescência
quando deixamos de ser amigos. Acusávamos um ao outro de coisas erradas e às
vezes nem era verdade. Só queríamos nos vingar e então apareceu essa moça.
Ela noivou com ele, mas quando o pai dele morreu, ela fugiu.
Algum tempo depois ela voltou e então ficamos noivos. Mas não por muito tempo.
A natureza dela era essa. Noivar e fugir. Ele ficou aborrecido com tudo e
todos. Sua tia sempre fazendo de tudo para ele sair do próprio inferno. De um
tempo pra cá comecei a pensar que talvez tivesse mais alguém lá. E por causa de
nossas diferenças o culpado fugiu.
_ É possível?
_ Sim. Não havia claridade suficiente e era um lugar destruído
com buracos grandes pelas paredes.
_ Talvez alguém tivesse planejado tudo isso.
_ Sim, mas nós fomos inocentes de ir lá. A garota já estava
quase morta quando cheguei, e como demorei em ir ajudar, ela acabou morrendo.
_ Nesse momento havia pessoas próximas à nossa mesa e então
falamos de outros assuntos, mas não iria esquecer as cenas que se formavam na
minha cabeça.
_ Vou te levar de volta.
_ Tudo bem.
_ Agora você já sabe o nosso segredo.
_ Como segredo? Ninguém mais soube?
_ Os oficiais não alarmaram as pessoas e então ninguém sabe. Só
você. Por favor, não diga ao Scott que te contei. Ele dirá que voltei a ser
criança. Que estou tentando te roubar dele, assim como sempre diz que roubei
aquela moça.
_ Tudo bem. Poderei fazer perguntas se surgirem?
_ Sim. Quero que confie em mim. Sempre.
_ Chegamos ao hospital por volta das seis, ainda não havia
escurecido. Não disse nada a Marie dizendo que ia tomar um banho antes do
jantar. Ela concordou.
Não pude demorar, pois o jantar seria servido em breve. Nem ao
menos peguei um vestido limpo para não dar chance a Marie de perguntar alguma
coisa.
Como poderia reunir meus pensamentos com Marie me invadindo
com perguntas? Teria que escapar de algum modo. Quando atravessei o corredor em
direção ao quarto senti um balançar em minhas pernas ao ver Scott parado na
porta. Ele estava horrível e com os olhos muito vermelhos.
_ Scott?
_ Vamos conversar fora daqui.
_ Meu...
_ Jantar? Sim, vamos jantar fora.
_ Scott não vou a lugar algum com você nesse estado.
_ As lágrimas começaram a cair.
_ Scott não chore. Por Deus o que está acontecendo?
_ Espere aqui. Eu já volto.
_ Marie? Você entendeu alguma coisa?
_ Sim. Ele teve aqui mais cedo e a enfermeira disse que você
saiu com o Dr. Born. Não pude evitar.
_ Agora entendo.
;)
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